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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Critica - "Michael"


Planos comuns, fotografia apagada e linear, atuações medianas dos coadjuvantes e acertadas dos protagonistas, locações comuns...
Comum, contudo não é um termo que deva ser empregado ao filme “Michael” do diretor Markus Schleinzer.
A produção alemã traz um enredo repleto de tensão e tal nível de verossimilhança, que chega a assustar, chocar e ao mesmo tempo, por isso mesmo, a encantar.
O filme aborda a pedofilia. Ele foca no relacionamento cotidiano entre o molestador Michael e uma criança – um menino – que deve ter os seus 9 ou 10 anos de idade, que ele mantém em cativeiro residencial. O nome da criança jamais é revelado.
O filme possui uma narrativa sempre linear, com poucos saltos de tempo e um roteiro com ausência quase que completa de trilha sonora e de diálogos.
Ele se sustenta justamente pelo não dito, do que pelo dito. É o silencio, o olhar, a expressão fácil, os trejeitos das mãos, o modo de andar de cada um que dita suas personalidades. Alias, é o silencio que consegue executar os melhores diálogos ali.
A atuação do menino é particularmente muito bem executada. Ele a todo o momento se apresenta de cabeça baixa, vestido como um homem, com um olhar sem vivacidade, que raras vezes é visto.
A construção do personagem do menino é feita de maneira gradual e muito bem funcional. Não é uma construção fácil. A complexidade da situação para a criança é extrema.
Ele passa seus dias trancado numa espécie de porão, totalmente customizado para ele, com brinquedos, uma cozinha e um banheiro, onde ele mesmo se banha, onde ele mesmo prepara o café da manhã todos os dias sozinho.
Onde fica sua cama enfeitada por ele mesmo e a mesinha de centro onde ele estuda, lê, escreve aos pais e principalmente desenha.
Sim, o garoto escreve semanalmente a seus pais. Cartas seguidas de desenhos que jamais são entregues por Michael – claro. Alias os desenhos do menino, revelam muita coisa sobre ele. Ele constantemente desenha pássaros, multicoloridos, uma ode a liberdade que ele procura.
Assim Michael elabora seu controle sobre o garoto. Ao faze-lo acreditar que os pais não o querem. Que os pais exigem que ele obedeça a suas ordens.
Ao mesmo tempo Michael estabelece uma relação de afeto com o garoto. Ora como se fosse de pai e filho, ora entre amigos, ora entre irmãos.


Chega a ser angustiante ver as cenas em que Michael leva o menino ao parque.
O garoto sempre observador visualiza um mundo em que diante de seu sofrimento psicológico; parece não ter fim.
Os contrapontos e referencias bíblicas também são muito bem tratadas no filme. Sem nunca exagerar e cair no caricato.
O cuidado ao figurino também é exemplar, ao nos brindar com tanta ausência de cores, quebrando essa constante apenas nas cenas em que há o garoto em cena.
Mas todo o filme se justifica e se consolida numa cena particular. A do jantar mais no final do filme.
Michael e o garoto sempre jantam juntos, a mesa, na sala de estar. Após o jantar o menino ainda ajuda a lavar louça.
A cena consegue chocar, imprimir tensão, prender a atenção, consegue romper o quadro dramático da narrativa e nos brinda com um humor momentâneo sujo e negro, consegue emocionar e tocar. Tudo ao mesmo tempo. Na mesma cena.
Essa cena do jantar, juntamente com o dialogo entre os dois, a reação do menino diante da pergunta de Michael, assim como o ataque psicológico que o menino faz a ele e a forma que isso culmina da personalidade do menino é algo belo de se ver em termos cinematográficos.
Mostra um resumo de toda a relação entre os dois, o posicionamento e entendimento que vai amadurecendo na criança, bem como a relação de afeto do molestador e de suas artimanhas que lhe dão controle sobre ele. É uma cena que para os mais moralistas não será bem vista, e com certeza não é uma cena que seria aceita por aqui no país. A coragem de tal, já me agradou bastante.
Não é um filme, contudo didático. Não é o tipo de filme que visa ser um anti-pedofilia para ser exibido em escolas. Não.
Mesmo que ele crie e traga a mensagem de alerta, ele é muito mais um filme sobre pedófilos e não sobre a pedofilia em si.
Mas o que é mais interessante em Michael é a forma que ele se mantém imparcial do inicio ao fim.
Sim, o julgamento humano de certo e errado, bem como nossa percepção moral nos faz entender de imediato que tal relação é errada, punível, horrível. Porem, ao contrario de outros filmes com o mesmo tema, ele não tinge Michael como vilão, nem tão pouco como mocinho. Ele mostra os fatos e atos tais quais são.
Deixa a cargo do espectador julgar ate que grau condenara Michael ao final da película.
Talvez essa imparcialidade só tenha se quebrado na parte em que se encontra um gato, de uma visinha que desaparece no meio da projeção. Achei desnecessário esse detalhe, mas nada que comprometesse demais o todo.
Porem esse distanciamento de julgamento, faz com que o filme seja frio. Com exceção daquela cena já mencionada do jantar, o restante fica algo muito mecânico. O que por um lado demonstra a visão da direção em transpor a frieza do molestador para toda a projeção, afinal o personagem e o filme são um só e isso é claro. Por outro pode demonstrar uma falha de dramaticidade. Como se o filme pudesse ir alem e nunca vai. Poderíamos sair ao final da sessão chorando, xingando e querendo punições mais severas e imediatas a tal crime, ou mesmo um tratamento para tais molestadores, ou mesmo acabar o filme repleto de sensações diferentes. Mas não. O filme começa frio, segue morno e termina frio. Como se a cada cena pudéssemos nos segurar na ponta das cadeiras com as mãos no rosto, mas sem necessidade alguma.
Enfim, Michael é um filme no mínimo interessante que com certeza valeria o ingresso. Cumpre com sua proposta, que é fazer refletir e trazer discussões pertinentes acerca de um tema tão delicado quanto esse da pedofilia que infelizmente nos ronda dia a dia, muitas vezes sem nem mesmo percebermos.



 Nota no IMDb

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