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domingo, 30 de setembro de 2012

Critica: Cosmópolis - Mais Um Rato Na Roda




“Um rato tornou-se moeda monetária.” - Zbigniew Herbert

O socialismo tem como base a socialização dos meios de produção, o bem comum a todos e a extinção da sociedade dividida em classes. O capitalismo tem como objetivo principal a acumulação de capital através do lucro. 
Tempo versus futuro e dinheiro. isso é Cosmópolis.

A cidade de Nova Iorque está em tumulto e a era do capitalismo está chegando ao fim. Uma visita do presidente dos Estados Unidos paralisa Manhattan e Eric Packer (Robert Pattinson), o menino de ouro do mundo financeiro, tenta chegar ao outro lado da cidade para cortar o cabelo. Durante o dia, ele observa o caos e percebe impotente, o colapso do seu império. Packer vive às 24 horas mais importantes da sua vida e está certo de que alguém está prestes a assassiná-lo.

Cosmópolis, neologismo. À etimologia então: “cosmos” do grego kosmos, que significa ordem, organização; “polis” é transcrito diretamente do grego, e era o nome dado às cidades da Grécia antiga. Se as metrópoles (metró vindo do grego “meter” que significa mãe” são as cidades que agrupam sob suas arredores outras, filhas, a Cosmopolis é a cidade da organização rígida, de estrutura lógica. É a cidade de Eric Packer, é a mente de Eric Packer.

Baseado no livro homônimo de Don DeLillo, Cosmópolis é um roteiro que mostra um retrato assustador da nova Era.
São pessoas impelidas a esmo a viver o futuro, onde o presente não existe mais, se perdeu. Nessa cosmópole, Tempo e dinheiro se confundem nas medidas e ações. Muita informação, onde o novo de hoje, é o velho daqui um nano de segundos. O dinheiro e o capital que giram e definem o mundo. Onde nada mais é orgânico, tudo é programado. Uma sociedade de Caos e terror, de angustia e medo. Com estruturas físicas tão fortes, mas que escondem bases frágeis e terminais.

“- Gosto de andar de taxi. Não entendo muito de geografia, e consigo aprender muito sobre os lugares e a cidade perguntando aos taxistas de onde eles vieram.
-  Eles vem do horror e do caos.
- Exatamente!”.

Falas como essa são executadas numa monotonia extrema. A frieza caracteriza o palco em que o filme calca. Jovens, adultos sem inspiração, sem emoção, sem trejeitos, com ares mecânicos e objetivos. Sem instinto, sem se darem o luxo da falha ou da duvida. Pergunta atrás de pergunta numa mascara de tecnologia, soberba e vida inteligente. Sem paixão, sem vida, somente sobrevidas sobrevivendo pelo capital, não mais pelo ar.
O objetivo de Eric é claro: atravessar a cidade para cortar os cabelos e ponto final. Não interessa a ameaça de morte, não interessa os protestos que ele encontra pelo caminho. São eles justamente, juntamente ao sexo igualmente mecânico sem libido, que conferem um pouco de emoção a vida de um jovem gênio milionário e atormentado pelo meio em que vive.

O traço de humanidade orgânica do passado esta presente em momentos dispersos, como crianças tendo que assumir uma maturidade que não lhes cabe; ouvindo musica alta, em baladas, com luzes que distorcem sua realidade espacial, tomando pílulas e cegando as retinas nas telas iluminadas do computador. Sem ao menos poderem comprar uma cerveja legalmente – são crianças.
O próprio computador esta morrendo, o nome computador é velho, pertence a um passado que a sociedade atual tenta revisitar sem sucesso.
Cronenberg não abandona o terror, sua marca registrada. Com esse quadro ele traça um panorama que à medida que a narrativa avança, vai se tornando mais claustrofóbica, angustiante, assustadora e por isso mesmo maçante. Nossa vida se ressume há horas. Em um dia tudo muda. Nunca essa ideologia foi tão real e palpável como agora.
No meio do conturbado caminho a seu tão almejado corte de cabelo, nos deparamos com diversas paradas pelo caminho que salientam a máxima do filme: somos ratos. O dinheiro é um rato que nos persegue, mesmo mortos, nos traz doenças, uma infecção generalizada de esgoto, de defeitos. Ratos em rodas correndo sem cessar.
A própria limusine branca de Eric nos mostra esse mundo, onde sua poltrona assume o posto de trono. Um poderoso chefão pelo próprio bem.
Mas ele vai alem em seus questionamentos. Não é só no bolso e em volta que o tempo se apresenta ditatorial. A monarquia foi abandonada. Os bens da humanidade pertencem a quem pode pagar mais. – O tempo é cruel e absoluto organicamente, mesmo onde ele já fez questão de deixar tudo sintético.
Esse novo quadro, gerou seres humanos a um passo da loucura. A morte não assusta mais, a fome, a sede. A preocupação com o bem estar físico e emocional já não é prioridade, num mundo que só preza a procura e a oferta. Somos dados, números, não mais presença ou metafísica.

São jovens sem perspectivas, que só pensam em lucros sem saber como, tendo de enfrentar décadas de vivencia e responsabilidades e informações em semanas, são velhos que criam uma redoma de confusão entre o mundo que conheceram, entre as batalhas e revoluções que fizeram e deram errado, mesclando lembranças e desejos no mesmo patamar, numa conversa sobre taxis e mijadas numa barbearia que parece abandonada.

Os personagens aqui assumem o papel físico do capitalismo e seu povo. Cada personagem é uma peça num grande tabuleiro. O que vemos nada mais é do que os balanços da bolsa em carne e osso. Eric é o capitalismo, o novo capitalismo, protegido pelo meio, com nome em ascensão e com a estrutura em declínio.
“minha próstata assimétrica” – em dado momento da projeção, essa fala ressume bem toda a ideia do filme., uma vez que se parta da ideia de que a razão esta no corpo. Uma próstata assimétrica denomina normalidade, coesão, linearidade. Ao assumir sua próstata assimétrica, Eric busca o conceito de perfeição. Assim como o capital, o dinheiro, a humanidade. Sua maior força na realidade é sua maior fraqueza. Afinal não é pela busca da perfeição que se mantem o equilíbrio, e sim no imperfeito.

Contudo, apesar de toda a intenção e a premissa excelente num roteiro bem construído e denso, que lembra em seus melhores momentos a estética fotográfica e de designer de Vanilla Sky, com diálogos inteligentes e ágeis, e um cuidado excessivo de direção de arte e arte conceitual, figurinos e trilha sonora alarmista; Cosmópolis não é feito só de acertos.
A construção de personagens tão densos, onde o que importa são os olhares e atitudes e não tanto as emoções – já que essas na teoria proposta não se encontram mais- é falha, pela escolha de atores que não conseguem passar tal densidade. E não falo so de Pattinson.
Apesar do ator estar correto em sua postura  a La homens de preto, ou em seus melhores momentos um Alex DeLarger do novo século, falta algo natural, não só dele como de todo o elenco de apoio, para caracterizar nós humanos como a bomba relógio que somos. Inconstantes nesse novo quadro de realidade.
Grandes ratos primatas movidos a chips e moedas.
Falta verossimilhança no quadro, mesmo nas metáforas mais sarcásticas de Cronenberg (como o tiro com a arma pré-programada, como a morte de um rapper famoso ou mesmo no casamento fisicamente virtual.)
O filme peca na coesão fílmica de seus personagens. Se ele construísse um universo alheio, ficcional, tudo assumiria outro patamar. Mas não, ele se propõe a desmembrar nosso tempo, nosso dia a dia. Como se estivéssemos virados do avesso. Mostrar o que se esconde por trás de cada pagamento e troco.
Não convence.

Cosmópolis por fim chega a seu ápice em toda a sequencia memorável da cena do embate final entre Eric e sua possível ameaça. Os diálogos ali, as ações, a cenografia, os detalhes, a trilha e a fotografia e mesmo as atuações são soberbas e contem cada traço das melhores características que fazem o nome David Cronenberg. A contraposição entre a Elite e o proletariado da sociedade.

Com planos desconexos e enquadramentos com profundidade exasperada que conferem toda a tensão e descontrole mental de seu universo, Cosmópolis tenta ser um salto em queda livre, sem conseguir completamente.
É como se o filme tal qual o enredo que conta, se perdesse entre ser e estar ali na tela, sem saber muito a que veio e qual o sentido de estar ali.
Cronenberg se propôs corajosamente a colocar Cosmópolis como o novo Rato Branco de sua geração. Mas permanece sendo apenas um rato. Só um rato.

E ninguém foi salvo.

“O dinheiro tomou o poder.
Agora toda a riqueza é riqueza para o seu próprio bem.
Não há outro tipo de realidade. Como as pinturas o dinheiro também perdeu sua qualidade narrativa.
O dinheiro esta falando por si mesmo. É fantástico.
Ideia de tempo vivendo no futuro. Dinheiro faz o tempo. O relógio acelerou o crescimento do capitalismo. As pessoas pararam de pensar em eternidade e só se concentram nas horas.
Horas meditadas, homens hora, usando o trabalho de forma mais eficiente.
Foi a capital cibernética que criou o futuro.
Qual o tempo de um nanossegundo?
10 vezes menos 9 libras.
Agora o tempo é um bem corporativo. Pertence ao sistema livre de mercado.
O presente é difícil de se encontrar.
Esta sendo sugado para fora para dar lugar ao futuro incontrolável do mercado e dos investimentos.
O futuro tornou-se insistente.”






FICHA TÉCNICA

Diretor: David Cronenberg
Elenco: Robert Pattinson, Samantha Morton, Jay Baruchel, Paul Giamatti, Kevin Durand, Juliette Binoche, Sarah Gadon, Mathieu Amalric, Emily Hampshire
Produção: Paulo Branco, Martin Katz
Roteiro: David Cronenberg
Fotografia: Peter Suschitzky
Trilha Sonora: Howard Shore
Ano: 2012
País: França/ Itália/ Canadá/ Portugal
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos

#Duas analises interessantes sobre o filme e as citações apresentadas durante o longa ( sobre Zbigniew Herbert): Cosmópolis e o Poeta Traido e Cosmópolis ou o filme de nosso tempo






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