Pages

sábado, 22 de setembro de 2012

Crítica: Heleno – O Príncipe Maldito

O Desbrilho de Uma Estrela e o Filme Fora de Campo 
Heleno – O Príncipe Maldito 





“Haverá um tempo não muito distante em que eu serei compreendido.
Quando eu for rei.
E vocês, insensíveis idiotas, vão ser os primeiros a reconhecer que eu fui um rei.
Dizem que eu vou morrer de arrogância e empáfia; mas eu vivi disso.
Serei lembrado e vocês não!
Gentalha, inútil, humilde e insatisfeita...
Eu já disse que não preciso que vocês me entendam, que eu não preciso do carinho de vocês.
Eu brilho!”.



A década de cinquenta, ficou marcada como a década dos grandes avanços científicos, tecnológicos e mudanças culturais e comportamentais em todo o mundo. Foi a década em que começaram as transmissões de televisão, provocando uma grande mudança nos meios de comunicação. No campo da política internacional, os conflitos entre os blocos capitalista e socialista (Guerra Fria) ganhavam cada vez mais força. A década de 1950 é conhecida ate hoje como o período dos "anos dourados". 
Aqui no Brasil não era diferente. 
No futebol, por exemplo, o Brasil se preparava para receber a Copa Do Mundo em seu recém-inaugurado Maracanã, onde nosso maior futebolista da época se consagraria campeão do mundo. Não foi isso que aconteceu. 
O Brasil perdeu para o Uruguai pelo placar de 2 a 1, e Heleno de Freitas jamais pisou em campo.

Com direção de José Henrique Fonseca, e baseado no livro “Nunca houve um homem como Heleno”, do jornalista Marcos Eduardo Neves, o filme “Heleno – O príncipe Maldito”, conta a historia de um dos maiores jogadores de futebol sul-americano da historia. 
O jogador de futebol Heleno de Freitas (Rodrigo Santoro) era considerado o príncipe do Rio de Janeiro dos anos 40, numa época em que a cidade era um cenário de sonhos e promessas. Sendo ao mesmo tempo um gênio explosivo e apaixonado nos campos de futebol, além de galã charmoso nos salões da sociedade carioca, tinha certeza de que seria o maior jogador brasileiro de todos os tempos. Mas seu comportamento arredio, sua indisciplina e a doença (sífilis) foram minando o que poderia ser uma grande jornada de glória, transformando-a numa trágica história. 
Essa é a premissa. Essa é a historia, essa é a proposta, mas não foi bem assim que a banda; ou melhor; que a partida rolou.

Com uma narrativa confusa, um roteiro com ótimos diálogos, mas com profundos erros de estrutura e coesão de intertextualidade, o filme peca demais em tentar mostrar um personagem atormentado e sem traços de empatia, e ainda assim emocionar o publico.
Para que haja um arco dramático valido é preciso que se crie uma narrativa no qual cada ato do personagem central forneça algum tipo de redenção no final, seja ela qual for.
O enredo, a vida de Heleno tem todo um arco narrativo precioso para se contar uma boa historia, principalmente pelo período em que Heleno viveu. 
O mundo vivenciara duas terríveis guerras mundiais (Heleno nasceu na década de 20), num período fértil para os avanços tecnológicos, políticos e sociais do planeta. Aliados a um temperamento explosivo, a paixão pelo futebol e todo o drama pessoal, como a doença que detinha e consequentemente os problemas mentais que adquirira ao longo do caminho, o diretor José Henrique Fonseca tinha um alicerce extenso de possibilidades para fazer de Heleno – o filme- uma obra prima ou no mínimo uma película interessante. E isso não acontece.

O que vemos durante as quase 2horas de projeção, é um personagem inconstante, sem traços de empatia por ninguém, alem da família- que alias mal aparece, e é raramente citada- briguento, confuso; literalmente um 'borra-botas', mulherengo, beberão e viciado em cigarros. Não há toque humano nele, não há motivos aparentes para toda essa birra, todo esse sofrimento existencial que o personagem parece ter, não existe causa motivo ou razão, origem para tal panorama criado. O longa parece partir do pressuposto de que todos que assistem ao filme, já estão inseridos no mundo de Heleno, no período histórico ao qual ele se passa, e principalmente ao livro ao qual ele é baseado. Não há explicação alguma sobre nada.
O filme só deixa claro que Heleno era problema e ponto. Ele jogava futebol e ponto. Ele era devoto ao botafogo e ponto. Ele gostava de mulher e ponto. E ele queria ser rei e ponto.
Nada mais.
O filme é amparado por uma magnífica direção de arte, que teve o cuidado de induzir detalhes pequenos para transpor a sensação de que realmente estamos nos anos 40/50. O figurino, a utilização de tecidos lisos, a ambientação desde as ruas, objetos de cena e mesmo a caracterizações de figurantes. Tudo molda um cenário fabuloso e impressionantemente verossímil do Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro dos anos 50. 
Aliado a uma trilha sonora repleta de bolero e musica clássica, e uma edição de som razoável; o ponto alto do filme, contudo fica para a sua fabulosa fotografia em Preto e Branco luminosa, chefiada por Walter Carvalho. 
Contrastes de preto e branco que tenta- sem sucesso – se assemelhar aos filmes noir da década de 30, com texturas granuladas e desfoque, as imagens reproduzidas impressionam pela ousadia e pelo esmero.
Os enquadramentos e planos também são muito bem produzidos e filmados, que dão o tom acertado em mostrar o desequilíbrio mental de Heleno. 
Isso é visto quando o enquadramento aparece em transversal, as sombras desaparelhadas, as formas e figuras que assumem desnivelamento. As cenas em que a câmera surge tremida ou acompanhando o movimento do personagem. Em especial uma bela cana em que Heleno (Santoro) aparece em meio a uma crise de nervos olhando diretamente para a tela. A utilização de espelhos e alguns momentos esfumaçados. É Lindo de se ver, ainda mais se considerarmos ser uma produção brasileira que não tem o costume de apostar em tais recursos estéticos.
Alias, a escolha da produção em Preto e Branco foi um acerto.  
Isso nos passa a nítida sensação de que estamos no mundo de Heleno, em sua mente, e não apenas vendo sua historias.
Nesse ponto, podemos pressupor que foi essa a intenção dos roteiristas. O filme parece querer nos mostrar apenas a confusão de Heleno, suas paranoias, seus medos, sua inconstância.  Sem se preocupar em dar dados históricos ou mesmo sobre o próprio personagem. O que parece importar ali é apenas a mente confusa de Heleno.  A Montagem do filme é feita assim, com flashes, sem linearidade na edição, as elipses de tempo passeiam em segundos pelo tempo e espaço sem explicação e sem nos dar chance de nos situarmos, não há o mínimo indicio dessa mudança alias, nem através da imagem - os tons nunca mudam - e nem pela trilha sonora. Só se percebe que estamos diante de outra época, pela caracterização de Heleno, pela maquiagem apresentada – que é exemplar, ao nos mostrar os efeitos que uma doença como a sífilis, aliado a uma vida desregrada de vícios podem causar-.
Se foi essa a intenção, ok! Mas duvido...

Saímos da projeção, com a nítida sensação de que não conhecemos o tal aclamado Heleno de Freitas. saímos da projeção com a sensação de engano. Um filme de futebol que não é sobre futebol. é sobre um jogador de futebol. Mas nem isso fica claro. Ele poderia ser um sapateiro, que não faria diferença nessa construção de narrativa.

Mas nem mesmo esses erros, que deixam o filme a desejar, e que entristece por causa do excelente trabalho técnico, são suficientes para descartar completamente o filme. A projeção se firma e se segura única e exclusivamente pela atuação impar e monstruosa de Rodrigo Santoro.
Varios quilos mais magro, com trejeitos surpreendentes e um trabalho de voz e corpo intenso, Rodrigo encarnou o personagem de maneira sublime. É ele que dá o tom exato de cada cena, de cada drama. 
É o tipo de atuação instintiva. Há uma cena em particular, onde Heleno já no sanatório esta participando de uma confraternização com seus colegas de hospital - onde suspeito que ao menos alguns dos figurantes ali realmente possuíam algum tipo de transtorno psicológico-; em que a câmera permanece gravando enquanto eles conversam amenidades e Rodrigo Santoro interage com um deles, oferecendo-lhe um cigarro, ao que o outro recusa veementemente. 
Essa cena não acrescenta em nada na projeção como um todo, mas é indispensável para mostrar a relação e o trabalho do ator ao se somar tão intensamente ao papel  ofertado. 
É o tipo de atuação que é impossível não ficar admirado e aplaudir de pé cada movimento do ator em cena. Memorável.

O filme ainda conta com a atuação de Aline Moraes como Silvia, a espoça de Heleno (que na realidade se chamava Elma); Angie Cepeda como a cantora de cabaré e amante do jogador (numa tentativa obvia de caracteriza-la como a referida Rita Hayworth ), e Othon Bastos.

Vale deixar registrado que o filme cria uma alusão ao clássico filme Gilda (Gilda, 1946), de Charles Vido, com a famosa atriz estadunidense Rita Hayworth; tanto pela comparação que os torcedores do botafogo faziam com Heleno à época devido a seu temperamento bruto, semelhante a da personagem, quanto na escolha pelo Preto e Branco, pela tentativa Noir de ser, e pela trilha sonora.

A sensação que fica é que sim, Heleno - o Filme vale a pena, tem seus méritos, principalmente pela ousadia de seu projeto e pelo bom gosto e pela atuação memorável de Rodrigo Santoro, que este sim conseguiu se firmar Rei aqui.
Mas se como o dialogo inicial, no monologo de Heleno, logo no inicio da projeção dizia, que “haverá uma época em que o mundo compreendera e saberá quem foi Heleno de Freitas”, infelizmente o tempo gasto com a projeção é perdida. 
Teremos que continuar a esperar essa época chegar. 
O jogador pode ate ter brilhado, mas o filme permaneceu piscando, num amistoso sem nenhum gol de placa.

“...Olho no lance...!”



Trailer Oficial: 



FICHA TÉCNICA:

Diretor: José Henrique Fonseca
Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Othon Bastos, Herson Capri, Angie Cepeda, Erom Cordeiro, Orã Figueiredo, Henrique Juliano, Duda Ribeiro
Produção: José Henrique Fonseca, Eduardo Pop, Rodrigo Teixeira, Rodrigo Santoro
Roteiro: José Henrique Fonseca, Felipe Bragança, Fernando Castets
Fotografia: Walter Carvalho
Duração: 116 min.
Ano: 2010
País: Brasil
Gênero: Drama
Cor: Preto e Branco
Distribuidora: Downtown Filmes
Classificação: 14 anos









0 comentários:

Postar um comentário