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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Critica: Milyang (Secret Sunshine)




Sin-ae é uma jovem mãe que se muda com o filho pequeno Jun para Milyang, uma cidadezinha onde o falecido marido nasceu. Tão logo ela começa a se organizar para dar início a uma nova vida, um outro acontecimento trágico muda o curso de seu destino.

O filme do sul coreano Chang-dong Lee, Secret Sunshine (ou O Sol Secreto em tradução livre para o português// e Milyang no original) traça uma extensa analise de dor, desespero, sofrimento, busca pela fé e a perda dela, numa obra densa, pesada e extremamente bem executada.

Se em Poesia (Poetry) Chang-dong Lee havia nos presenteado com um filme denso mas delicado ao tratar dos tormentos da vida versus suas belezas, aqui em Secret Sunshine ele se mostra cru, muitas vezes cruel ao transpor a tela os conflitos mais ínfimos e profundos do sofrimento humano, caracterizados pelo luto interno e externo de uma mãe viúva.

Sin-ae após o falecimento de seu marido, resolve abandonar tudo e se mudar com seu filho pequeno Jun para a cidade natal de seu falecido esposo. A Cidade é Milyang. Logo no inicio, Sin-ae surge perdida na estrada com o carro quebrado, pedindo ajuda ao celular.

A cena que mostra em plena estrada as duas vias- a qual ela surgiu e a que ela esta rumando- com o carro quebrado a esmo, parado no meio da estrada quase que completamente deserta, já caracteriza o que vira pela frente.

As feições jovens de Sin-ae são de extrema tristeza a todo momento. Uma tristeza que vai se revelando aos poucos. Uma expressão que demonstra logo de cara seu sofrimento pela perda do marido. Tristeza essa que se alonga ate a figura do filho pequeno, que dialoga pouco, mas demonstra nos atos e na cabeça sempre baixa sua igual tristeza pela morte do pai.

Aliado ao silencio, o diretor vai nos conduzindo por uma sucessão de cenas espaçadas e muitas vezes de edição lenta, que vão compondo a nova vida que se apresenta a Sin-ae. Uma vida de possibilidades para recomeçar.

Ela é professora de piano, e monta uma pequena escola. Com a ajuda de um simpático homem, ela começa a adquirir alunos e aos poucos a se situar na nova realidade.

Porem, não demora muito, para o roteiro nos mostrar que realidade é essa. Sin-ae chora e sofre pela morte de um marido que a traia. Ela se mudou para uma cidade que ao contrario do que ela queria – o anonimato para recomeçar- , a conhece extremamente bem e apesar dos sorrisos e pêsames carinhosos que a recebem, a veem como um louca viajante.

Sin-ae é ateia. E descobre cedo que Milyang é uma cidade que tem uma fé latente. Uma fé católica.
Nesse ponto, o roteiro introduz uma estrutura extremamente interessante em quebrar as expectativas previas do espectador acerca daquela cultura que estamos sendo inseridos. Ao transpor o catolicismo na cultura oriental. A fé é vista de maneira plena, sem ser didática ou mesmo imposta em nenhuma momento. Os únicos momentos em que somos impelidos a lidar com ela, é justamente quando surgem personagens – como a dona da farmácia a frente da casa de Sin-ae, que continuamente tenta evangeliza-la e traze-la para o conforto de Deus.

Ao que Sin-ae se mostra cética e relutante. Como no excelente e revelador dialogo em que esta vendedora diz:

“Vê? Deus esta em tudo, ao nosso redor. Não precisamos vê-lo para senti-lo. Ou melhor, podemos senti-lo e vê-lo sim. Vê esse raio de sol? Deus esta nele também.”

E Sin-ae responde, indo ate o feixe de luz e contemplando-o:

“Sim vejo. Esse raio de sol é apenas um raio de sol. Você não vê?”.

Então, numa reviravolta visceral e inesperada, a narrativa recai numa constante de desespero e agilidade.

Algo extremamente brutal surge na vida de Sin-ae que não só a leva a um verdadeiro inferno, como lhe deixa a mercê da crença. Ao qual logo se mostra mais um desespero em sua vida.

Esse quadro melancólico em parte é conseguido pelo magistral e impressionante trabalho da atriz Do-yeon Jeon que vive Sin-ae. A maneira que ela se entrega em tela impressiona e assusta. Sua dor espiritual, vai além, atinge o corpo. E é arrebatador ver como a atriz consegue imprimir essa dor tão intensamente e ainda assim sem parecer exagerada ou caricata. Pois a dor que a personagem experimenta é latente, quase palpável. O sofrimento se torna quase que um personagem em tela. É falta de ar, um grito esganado, sufoco, insônia, desamparo.

O que se vê em tela não é bonito. Mesmo com o cuidado da direção de arte e da fotografia sempre bem delineada e ironicamente clara do filme; o que vemos é o abismo em que uma mulher pode chegar inclusive indo aos limites do descontrole mental.
E o silencio quase que a todo instante, inclusive nos diálogos que são poucos, ajudam a expressar esse quadro.

Assim, Secret Sunshine não é um filme fácil. Ele nos coloca diante da dor de maneira contemplativa, mas de tal forma que conseguimos sentir alem de nos sensibilizar com o que é visto em tela, mas justamente por apenas podermos contemplar, causa uma sensação de impotência, ao constatarmos que estamos ali apenas visualizando o fundo do poço sendo transpassado por mais camadas abaixo.

Mas o que mais impressiona talvez e choca nisso tudo é que o longa propõe a reflexão de que a dor é a própria prova de que estamos vivos.

Um filme pesado, mas que merece ser visto e sentido profundamente tal qual sua proposta sugere. Um olhar além dos raios do sol, revelando as sombras secretas que se escondem diante da luz que vemos todos os dias. 

Uma obra em todos os sentidos.

 Trailer


Ficha Técnica

Diretor: Chang-dong Lee
Roteirista: Chang-dong Lee, Chong-jun Yi
Elenco: Do-yeon Jeon , Kang-ho Song , Yeong-jin Jo, Mi-kyung Kim, Yeong-jae Kim, Seo-hie Ko, Myeong-shin Park
Fotografia: Yong-kyou Cho
País: Coréia do Sul
Ano: 2007
Gênero: Drama
Duração: 142 min.














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